A caravana era composta por carros blindados da Marinha, por caveirões do Bope, por camburões da Polícia Civil do Rio. Mas, na quinta-feira mais violenta da história recente dos cariocas, a caravana não passou: ficou. Permaneceu na Avenida Brás de Pina, o principal acesso à Vila Cruzeiro, na região da Penha, levando e trazendo soldados para uma guerra que se iniciou de manhã e, ao anoitecer, parecia ganha: a ocupação de um dos principais redutos dos traficantes que aterrorizam os cariocas.
Para os moradores, o nome da quinta-feira foi guerra. Refugiada em um supermercado, sem poder voltar para casa, no morro, enquanto os tiros não cessassem, uma doméstica viu três blindados passarem e berrou:
— Eu nunca quis ir para o Iraque, mas o Iraque veio até a gente!
Com medo de bala perdida, as pessoas atravessavam as ruas sempre correndo. Sem clientes, os comerciantes fechavam as portas.
Duas horas depois do início da ocupação da Vila Cruzeiro, os blindados usavam a Brás de Pina para reembarcar tropas e descansar soldados. Moradores do local apoiavam como podiam, oferecendo água ou suco.
Um abrigo foi oferecido pela prefeitura do Rio para as pessoas que não conseguiriam voltar, ontem, para casa. Eram dezenas, ainda no fim da tarde, em frente ao mesmo supermercado, único comércio em um raio de seis quadras que não desistira dos clientes. Subir o morro era arriscado demais, como comprovou o servente José Pereira, 33 anos, atingido com um tiro no pé quando voltava do trabalho para casa. Segundo ele, mesmo com todo o cuidado para não ser confundido com um traficante, adiantou: estava certo de que a bala em seu pé era de um policial.
— Eles têm de subir no morro para atirar em bandido, não em trabalhador — reclamava.
Pereira é uma vítima de uma guerra que, ao contrário da lutada no Iraque, é tida por boa parte da população como justa. Mas sua expressão de desalento, ao mostrar a receita dos remédios prescritos para seu pé alvejado — caros demais para um servente -, lembrava: nenhuma guerra é justa. No máximo, necessária.
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